sexta-feira, março 10, 2006

Bono, Jeffrey Sachs e "Projeto para o Milênio" da ONU - uma visão crítica

A propósito de um dos meus últimos posts, a respeito do U2, encontrei um artigo do jornalista João Mellão que critica a falta de atenção às idéias de Bono.

"É uma pena que a mídia brasileira, com poucas exceções, quase nenhuma atenção dedicou às idéias políticas de Bono Vox. ...O vocalista do U2 é um discípulo aplicado e dileto do economista Jeffrey Sachs. E Sachs, por sua vez, é considerado pela revista Time como uma das cem pessoas mais influentes do mundo.

Jeffrey Sachs lançou, no ano passado, um livro brilhante e esclarecedor prefaciado por Bono Vox. Seu título é O Fim da Pobreza, já traduzido e publicado no Brasil. (..)
A tese principal de sua obra é a de que é possível acabar com a miséria no mundo até o ano de 2025. Daqui a pouco menos do que duas décadas."

Jeffrey Sachs é o responsável (um dos) pelo programa "Projeto do Milênio", da ONU, base da proposta do livro.

A edição de janeiro de revista de negócios "Exame" traz um brilhante artigo sobre o tema de autoria do jornalista J.R. Guzzo (editor da revista), chamado "Crescimento, a solução para a miséria" - Nunca se fez tanto para combater a pobreza no mundo. Mas o que mais tem dado resultado mesmo é o capitalismo" . Eis um trecho :

"Para acabar com a miséria, segudo o projeto, é necessário introduzir nos países miseráveis as bases do desenvolvimento sustentado, a democracia legítima e a adoção de valores éticos. É preciso transferir tecnologia, desenvolver mecanismos para a economia de mercado e cuidar das fontes de energia. Acesso à água tratada, microorganismos, condição da mulher - tudo se interliga, é críticoe precisa ser resolvido para a pobreza ser vencida até 2025. E como se faz tudo isso? Basta que cada país rico contribua com aportes de valor equivalente a 0,7% de seu PNB - 70 centavos a cada 100 dólares, o que realmente não vai machucar ninguém".

Agora vem a parte "dura". Pois até agora parece o mesmo tipo de planejamento de viés economicista para os quais a solução de qualquer problema consiste em jogar dinheiro por cima.

"Quem é que vai se encarregar, por exemplo, de demitir os ditadores dos países miseráveis e colocar no lugar governos eleitos democraticamente"? (Respondo: provavelmente George W. Bush, o único que tem experiência no gênero - afinal esta tarefa é dura demais para roqueiros velhuscos como Bono Vox) .
"Mesmo questões aparentemente mais simples, por depender de fatores físicos, prometem dar um trabalho espantoso. O professor Easterly, que é um analista severo dos grandes planos planetários de combate à pobreza, contabilizou não menos do que 449 tipos de medida que o Projeto do Milênio se compromete a adotar: plantação de árvores que fixam o oxigênio no solo; terapia retroviral para a Aids; distribuição de celulares especialmente programados para dar informação em tempo real a agentes de saúde; colheita computadorizada das águas de chuva; e por aí afora."

"O Projeto do Milênio, assim, tem tudo para acabar se transformando num monumento às boas intenções e ficar nisso.

'Não acredito que a ajuda financeira da União Européia tenha sido a chave do sucesso para eliminar a pobreza em Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda' diz William Easterly. 'Esses países se beneficiaram dos recursos recebidos da UE por estarem altamente integrados à região mais rica do mundo'. O mesmo pode ser dizer de outro clássico do gênero. 'No Plano Marshall e na recuperação do Japão, a chave do sucesso está no fato de que foram planos de reconstrução de economias já previamente desenvolvidas', diz Easterly. Enfim, nos dois episódios hoje mais citados de avanço contra a miséria, os da China e da Índia, o papel da ajuda externa tem sido pouco ou nenhum. O que tem funcionado, ali, é simplesmente mais capitalismo e mais crescimento".

Resumo: Diferente do ditado popular que diz que os opostos se atraem, Bono, um pacifista ingênuo acabou se unindo a um economista ingênuo - Sachs. O projeto do Milênio é a contraparte econômica de uma mesma postura. Aquela de que o ônus pela "coexistência pacífica" e da eliminação da pobreza recai sempre sobre os países ricos do ocidente. Para mim a função de Bono seria mais coerente se esquecesse os temas econômicos e fosse promover os valores éticos, democráticos e morais nos países pobres. Com isso, deixaria o capitalismo - firmemente instalado sobre estas fundações - fazer o seu trabalho de criar o desenvolvimento que eliminará a pobreza.
Neste sentido um provável concerto em Teerã teria muito mais efeito.

Porto Alegre é o refúgio de sabotadores e arruaceiros

Quando Porto Alegre perdeu o Fórum Social Mundial, muitos empresários do ramo de hotelaria e a prefeitura lamentaram. Diziam que o evento trazia muitos turistas - e lucros -  à cidade devido à fama mundial de "Capital da diversidade".
"Turistas"? Não poderia se chamar tal bando de arruaceiros e sabotadores de "turistas". Durante as edições do Fórum houve invasão e depredação de lojas do MacDonalds, centros de pesquisa de vegetais transgênicos, inclusive com a participação do "destruidor de MacDonalds" , o francês José Bové.

Enquanto isso o resto dos moradores de Porto Alegre, como eu, não tinha refresco: IPTU caro, impostos sobre serviços mais caros, desemprego alto. Ficava claro que , numa estranha equação, o poder público municipal priorizava "estrangeiros" durante os dias do Forum Social Mundial (inclusive financiando suas atividades) e relegava seus próprios cidadãos à segunda classe. Sim, por que é inconcebível querer manter o FSM por razões estritamente econômicas e não fazer nada durante os restantes 355 dias do ano para trazer desenvolvimento econômico à cidade.

Pois bem, depois desse parênteses, voltamos à carga. Os tais "turistas" preferenciais de Porto Alegre voltaram à cena: Uma conferência sobre reforma agrária da ONU está acontecendo na cidade e , é claro, novas aventuras dos turistas de sempre aconteceram.
Ontem, 08/03/06 um grupo de Sem Terra da Via Campesina, presentes ao evento, invadiram e destruíram o centro de pesquisas e centenas de mudas de eucalipto da sede da empresa de celulose Aracruz.
A empresa já anunciou que um novo investimento de mais de um bilhão de reais não será realizado no estado do Rio Grande do Sul.
O motivo da invasão? Segundo seus realizadores, a destruição era um alerta sobre a monocultura do eucalipto, que poderá transformar o estado num "deserto verde".

Não sei sobre o "deserto verde" , mas efetivamente o deserto de investimentos, empregos e desenvolvimento é o que este estado está pagando por ter se transformado em "refúgio preferencial de sabotadores e arruaceiros"

Existem estados no Brasil famosos pelo turismo de aventura, rural e até mesmo o "turismo sexual". O Rio Grande do Sul está inventando uma nova modalidade , o "turismo de destruição".

U2 e a Infantilização da questão "pacifista"

Lendo o artigo do Olavo de Carvalho no Mídia Sem Máscara, este trecho chamou minha atenção:

"Na visão dessas criaturas primevas, a Nova Ordem Mundial é o bom e velho imperialismo americano que, mal camuflado, estende suas asas sobre o globo terrestre, pondo em risco a soberania das nações pobres, cuja esperança então se volta para os poucos núcleos de resistência espalhados pelo mundo, como Cuba, a Coréia do Norte e os terroristas islâmicos, bravos pigmeus em luta contra o gigante, à imagem e semelhança da Princesa Léa e Luke Skywalker enfrentando aos trancos e barrancos as tropas imperiais sob o comando de Darth Vader (não inventei a comparação; ela já se tornou lugar-comum do imaginário esquerdista)."

Exatamente o meu ponto: Temos hoje de um lado, eventos cada vez mais claros ("mais claros" disse eu? Os fatos estão gritando em nossa cara!) sobre a natureza deste "governo mundial", com a união dos mais variados grupos anti-americanos - aliás, anti-ocidentais, anti-cristãos, anti-democráticos - todos orquestrados a parecer movimentos espontâneos. Do outro lado, por sua vez, temos uma infantilização completa do público que poderia percebe estes movimentos e lutar contra eles.

Por mais radical e aberto que seja o conflito - me atrevo dizer que já passamos da fase da guerra cultural e estamos no início da guerra real - e mais graves as consequências para o mundo livre, menor é a estatura moral e cultural das pessoas para perceber este jogo.

A cultura "pop" - por exemplo, tomando todos os espaços possíveis - já destruiu completamente a cultura geral, o cinema, a música e a própria intelectualidade. Hoje temos um bando de guris a brincar de capa e espada contra o "grande satã" americano enquanto os os verdadeiros inimigos esperam pacientemente a hora de agir.

Boa parte da juventude hoje em dia está tão submersa e escravizada à slogans mentais - tão cuidadosamente aplicados ao longo de décadas, `a moda NLP (programação neuro-linguística) - que não conseguem relativizar por exemplo o "pacifismo", sendo um fim-em-si-mesmo, por algo muito mais importante: a própria auto-preservação.

O exemplo mais grotesco dessa mistificação é a atuação recente do Bono Vox (dizem que é simplesmente "Bono" mas fico com a velha denominação) na América Latina. Li muitos protestos irados contra o recente artigo de Reinaldo Azevedo, do "Primeira Leitura" chamando Bono de "imbecil" e convidando-o para tocar em Teerã.

Todos sabem que, diferente do Reinaldo, aprecio o trabalho do U2. Mas tenho de reconhecer a perplexidade com que recebi a tal conclamação para a "coexistência pacífica" entre judeus, cristãos e Muçulmanos durante os shows no Brasil.Não pode ser o mesmo Bono de duas décadas atrás, no tempo de "Sunday Bloody Sunday".

A letra dizia algo sobre a necessidade de se deixar de lado o sectarismo político e pregava a união da Irlanda numa só pátria, com a benção de Jesus. Mas a canção começou a ser usada como hino revolucionário, ao ponto de Bono, no disco/vídeo "Under a Blood Red Sky" (1983) enfatizar que "Sunday.." não era uma "canção revolucionária". Fez ainda mais. Em 1988 no disco/show "Rattle and Hum" fez um longo discurso contra os apoiadores irlandeses-americanos da tal "revolução": "Que glória há em jogar uma bomba durante o desfile de veteranos de guerra, em frente de seus filhos e netos"?. "Que glória há em morrer pela revolução"? Perguntava, ante uma platéia perplexa.

Bono pregava a união, mas sabia o que era moralmente condenável . E sabia como a pregação por "união" sem o devido julgamento moral poderia levar a uma romantização da "revolução" e da violência.

E aqui chegamos. Com todas estas lições aprendidas, Bono volta a exaltar a coexistência "pacífica" sem nenhum reparo moral. Revolucionários islâmicos explodem-se levando centenas de inocentes consigo. Protestam e queimam embaixadas por causa de "charges" ofensivas. Era justamente a hora de se perguntar de novo, corajosamente: "Que glória há em morrer pela revolução"?

Pode ter faltado coragem, mas se não for é o atestado mais emblemático da idiotização geral das percepções e ações humanas contra o mal. Coexistência pacífica? Tenho de concordar com o Reinaldo: Bono, vai para Teerã!

quinta-feira, março 09, 2006

"Cuba nas Colinas do Golã" - Trecho de "Cuba Nostra", de Alain Ammar

Trecho de "Cuba Nostra", de Alain Ammar

O livro de Alain Ammar já revelou o triste fim de Salvador Allende (segundo o autor, assassinado a mando de Fidel).
Leiam este trecho, da história meio esquecida da "aventura" cubana lutando contra Israel em apoio à Síria em 1973.

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Cuba nas Colinas do Golã
Antes de engajar maciçamente suas tropas na África, Castro tinha necessidade um grande banco de provas. Foi a Síria. Uma intervenção mascarada, quase desconhecida. Ninguém foi informado da nova "epopéia" dos soldados cubanos em terras estrangeiras, naquele fim do ano de 1973.

 
Foi somente em de 22 de dezembro de 1975, no discurso perante o Primeiro Congresso do Partido Comunista de Cuba, que o "Líder Máximo" reconheceu, publicamente, a intervenção de uma força armada cubana regular, ao lado de centenas de conselheiros soviéticos e de dezenas de milhares de soldados de Hafez El Assad: "Não é nenhum segredo que, numa ocasião de perigo e de ameaças à República da Síria, nossos homens foram para a Síria."
Castro fez também uma alusão ao fato numa entrevista ao semanário italiano "Época", de 15 de janeiro de 1978. Num outro discurso, no dia Primeiro de Maio de 2003, isto é, trinta anos depois, Fidel Castro relembra esse feito do exército: "Uma brigada inteira de tanques monta guarda nas Colinas do Golã, a pedido da nação árabe da Síria, quando esta parte do território foi, injustamente, arrancada daquele país."

Portanto, essa ajuda militar à Síria, oficialmente acompanhada pelo envio de duas outras brigadas, de "ajuda médica" dessa vez, passou pouco percebida, apesar dos protestos oficiais de Shimon Peres, então Ministro da Defesa israelense, como se nenhum dos lados demonstrasse interesse em divulga-la.
Em setembro de 1973, durante a Quarta Conferência dos Países Não-Alinhados, na Argélia, o coronel líbio, Muammar Kadhafi, exigiu que Cuba fosse expulsa do movimento, pelo fato ter afirmado apoiar as posições soviéticas. Desafiado ao vivo, Fidel Castro reagiu, com grande surpresa para seus próprios diplomatas, incluindo seu embaixador em Tel Aviv, ao anunciar, uma hora antes do encerramento da Conferência, o rompimento das relações diplomáticas com Israel. Em conseqüência, Kadhafi se precipitou nos seus braços, seguido pelo líder da Organização para a Libertação da Palestina, Yasser Arafat. Foi o primeiro encontro entre Arafat e Castro.

 
Rapidamente, o Comandante passa do gesto à ação. Os preparativos para uma ação militar seguem acelerados em Havana. Alguns dias depois, em 6 de outubro, estoura a Guerra do Yom Kipur. O jornal do Partido Comunista, o "Granma", aparece com a manchete na primeira página: "A barbárie sionista na Síria." As tropas cubanas não poderiam se reunir á Guerra do Yom Kipur, mas estariam presentes na retaguarda.

 
Durante meses, no outono de 1973, os conselheiros militares cubanos prepararam o exército sírio, pois seus oficiais não tinham os conhecimentos necessários, especialmente em matemática e geometria, para emprego do material de artilharia fornecido pelos soviéticos: canhões automáticos SAO100, tanques T-34 e T-55, morteiros de 120 mm, canhões antitanques de 57 mm, canhões de 156 mm, lança-foguetes BM 22. (os formidáveis Katiushkas ou "tubos de órgão musical de Stalin") e outros. "Também foi feito um sistema de construções defensivas, explica Juan F. Benemelis. ("As Guerras Secretas de Fidel Castro"- Fundación Elena Mederos, 2003). O Golã foi, e ainda é, porque tudo foi deixado intacto, cortado por corredores subterrâneos." O arcabouço necessário para uma intervenção maciça estava então formado. Era necessário encobrir os homens."

 
As tropas castristas, cerca de quatro mil e duzentos homens, se instalaram ao pé das Colinas do Golã, durante a "guerra de atrito", que durou de fevereiro a maio de 1974, enquanto que uma de suas brigadas foi encarregada de garantir a defesa de Damasco. Esses homens entraram em combates esporádicos com as tropas israelenses, que constataram, com surpresa, a precisão dos tiros e a presteza dos combates, longe do amadorismo dos exércitos árabes. Intérpretes palestinos, formados militarmente em Cuba, serviram de ligação entre os exércitos sírio e cubano. Os serviços de inteligência israelenses interceptaram numerosas conversas em espanhol. O General Moshe Dayan, informado, denuncia, numa mensagem de televisão, em 31 de março de 1974, a presença de soldados cubanos no Golã. (David J. Kopilov – "Cuba, Israel e a OLP", Washington, Cuban-American National Foundation, 1985).
O Ministro cubano da Defesa, Raul Castro, fez uma visita de inspeção às tropas em setembro de 1974, acompanhado por Hafez El Assad. Ele condecorou as tropas "internacionalistas" presentes em solo sírio.

 
Juan Vivés teve ocasião de visitar um certo número de feridos graves, repatriados, no Hospital Piti Fajard, de Havana. "É muito difícil avaliar as perdas cubanas, disse. Fidel pensa que confessar as perdas cubanas constitui sinal de fraqueza. É por isso que, quando apresentam os números, eles são fantasiosos."

 
Dentre as ações que mais causaram mortes aos militares cubanos, Juan Vivés indica a explosão de uma mina à passagem de um canhão sobre rodas SAO100, acompanhado de muitos soldados da infantaria, assim como um caminhão conduzindo de duas dezenas de homens. Dois tanques T-55, que entraram numa zona controlada pelos israelenses, foram bombardeados por helicópteros do TZAHAL. Houve cerca de 180 mortos e 250 feridos em volta do Golã.

 
Os cubanos deveriam, assim, suplementar seus ideais destinados a morrer em nome dos objetivos "internacionalistas" estabelecidos pelo Comandante-em-Chefe.

 
O número de vítimas cubanas se elevará exponencialmente em conseqüência das campanhas que se seguiram, todas coordenadas ou principalmente ordenadas pela União Soviética, que não poderia enviar, diretamente, suas tropas para terrenos de operação no Oriente-Médio ou na África, sob pena de deslanchar uma resposta ocidental, especialmente americana.

 
"Do livro "Cuba Nostra", de Alain Ammar, com o testemunho do ex-agente secreto Juan Vives e a participação de Jacobo Machover. (Plon, outubro de 2005- Paris), pág. 201/204./
Alain Ammar é repórter da televisão francesa TV1. Juan Vives, vive na França, desde 1979. Jacobo Machover é cubano, escritor, jornalista e tradutor, vive exilado na França
 
Tradução: Herman Glanz